Todos os dias, “livre de nascimento ou destruição, de tempo e espaço, de forma ou condição do Vazio eterno”, surge Xárica
dançando e girando sobre si como uma esfera em rotação. Em passos
pequenos vence, ziguezagueando, morros e planícies até chegar à beira do
mar. Pacientemente tira um cesto de suas costas e o coloca ao seu lado. Ela
moldou nos buracos e sulcos da pele do seu rosto, com o tempo, montanhas e vales que brotavam sistematicamente em um fluxo de lágrimas e como se
fosse chuva, alimentou a sua memória, trazendo à superfície daquele
momento... A vida. Criaturas pequeninas desovadas das correntezas nascidas das ondas: naturais e como se fossem pequenos filhotes de gente, se lançaram através de suas espumas.
E assim, à sua frente, enche-se o oceano... De alegrias, tristezas, lembranças doces, amargas... Espumas.
Assim Xárica estava como sempre à espera que o mar lhe devolvesse o que
havia lhe tirado. O mesmo mar que lhe esperançou uma noite de estrelas
cadentes, apontava lugares além da linha que horizontal e dura insistia em
dizer que não havia nada mais adiante. E aquelas estrelas anunciavam, caindo sobre o firmamento, que coisa haveria de ter prá lá de lá, sim!
O mesmo mar que Xárica atravessou deixando as montanhas para trás. As
mesmas que marcam agora sua ascendência sobre ela, em rasgos escritos na pele.
O mar que aprendeu a amar ! O amargo da mar veio depois. Muito depois só,
Xárica pode ver que aquele mar se tornava bravio depois de uma calmaria
estarrecedora, uma calmaria que trazia com ela o silêncio, dos imortais...
Sempre se sabia que algo estava para suceder... E Xárica via longe, longe,
desejos de corpos necessitados de chegar em algum lugar... espumas...
espumas... Espumas! Daí AZUL, VERMELHO, MARROM: silêncio!
Desde então Xárica começou a colecionar as coisas que o mar lhe trazia
entre as espumas, como que vômito, como que desprezo, como que salvação, como que gozo, extrema-unção: Garrafas, flores, peixes, folhas, latas, plásticos, conchas, escritos, algas, ossos... um menino!
